Depois de um ano sem Prémio Nobel da Literatura, a Academia Sueca acaba de anunciar os vendedores das edições 2018 e 2019: Olga Tokarczuk e Peter Handke. 

É sempre imprevisível a escolha dos escritores que a Academia Sueca considera merecerem o Prémio Nobel e a edição de 2019 não foge ao que o júri nos habituou: o polémico Peter Handke.

O autor tem a maior parte da sua obra publicada em Portugal.

Para a Academia Sueca, o austríaco Peter Hadke é um autor cujo “trabalho influenciou com a sua ingenuidade linguística explorou a periferia e a especificidade humana.”

Quanto à edição de 2018 do Nobel da Literatura, marcada por um dos piores escândalos na instituição, a vencedora é Olga Tokarczuk.

Para a Academia Sueca, a polaca Olga Tokarczuk tem “uma narrativa imaginativa que com a sua paixão enciclopédica representa a travessia das fronteiras como uma forma de viver.”

A autora tem o seu Viagens traduzido em Portugal e, por coincidência, na próxima segunda-feira será lançado o seu mais recente livro no nosso país, intitulado Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos.

Os dois novos Nobel da Literatura são dois autores conhecidos dos leitores portugueses.

Olga Tokarczuk, a nobel de 2018, foi finalista do National Book Award 2018 e venceu o Man Booker 2018 com o romance Viagens, onde relata a história do regresso do coração de Chopin a Varsóvia pela sua irmã. O grande tema do romance é o corpo em movimento, não apenas através do espaço mas também do tempo, e repete a grande interrogação desde há séculos: de onde vimos?, para onde vamos?, neste caso, para onde regressamos? A receção ao livro foi muito boa e a revista The New Yorker caracterizou-o como dono de uma visão “perspicaz que transforma o mundo, assim como o seu livro altera as formas convencionais de escrita”.

Peter Handke foi um autor muito lido em Portugal e a sua corte de leitores exigiu a publicação da maior parte da sua obra, tendo-se o seu livro A Angústia do Guarda-Redes antes do Penalty tornado até numa expressão popular e amplamente repetida. O seu mais recente livro publicado no nosso país foi Os Belos Dias de Aranjuez – Um Diálogo de Verão, em 2014. Trata-se do seu regresso à escrita teatral, colocando um casal num diálogo comovente e cúmplice sobre o amor, com uma troca de recordações íntimas. A peça foi representada uma única vez nesse mesmo ano, com a presença do autor quando da 8.ª edição do Lisbon & Estoril Film Festival, com encenação de Tiago Guedes e os atores Isabel Abreu e João Pedro Vaz.

 

Protestos certos em dezembro para Peter Handke em Estocolmo

Se a escolha de Olga Tokarczuk repara a ausência de escritoras na lista de 110 nomes maioritariamente masculinos e agrada à espuma dos dias das redes sociais – apesar da sua importante escrita -, já Peter Handke é um nome inesperado devido ao seu passado polémico, mostrando que a Academia Sueca não pretende jogar apenas no terreno do politicamente correto após ter concedido o Nobel a Bob Dylan.

Muitos leitores afastaram-se do autor, e este dos seus leitores, quando Handke fez um discurso no funeral do criminoso de guerra, o sérvio Slobodan Milošević, em 2006. Handke, que tem antepassados eslovenos, foi muito criticado pela sua participação no funeral e pelas suas posições anti-Nato e a favor da Sérvia, mesmo que recebesse no mesmo ano o Prémio Heinrich Heine, alegadamente devido às suas posições políticas. No entanto, em 2014, ao receber outro prémio, o Ibsen Internacional, os protestos em Oslo foram bem visíveis. Decerto que a cerimónia de entrega do Nobel em dezembro irá contar com vários protestos públicos contra Handke e o seu episódio Milošević.

Numa entrevista à agência Lusa em 2009, Peter Handke confirmava o que hoje o Nobel ratificou: “A literatura tem sido toda a minha vida”, mas interrogava-se “sobre se a literatura me tornou uma pessoa melhor… Um pouco melhor, não muito, mas um bocadinho. É suficiente, talvez”. Referiu que “qualquer autor que escreva um livro, mesmo um livro pequeno, mesmo uma só página que nos abra o mundo, é um bom escritor”. Sobre literatura portuguesa, Handke mencionou Fernando Pessoa, no entanto tentou ler Saramago e Lobo Antunes mas não foi capaz de acabar: “Saramago parece-me muito inteligente, demasiado inteligente para mim.” Quanto a prémios disse: “Não sou uma boa pessoa para prémios, gosto de prémios para os outros, disso gosto. Mas sinto-me muito estranho, não é bom para mim. Gosto quando um leitor me escreve uma carta. Esse é que é o meu tipo de recompensa”.

 

Guarda-costas para proteger Olga Tokarczuk

As posições políticas fortes também existem em Olga Tokarczuk e numa entrevista no ano passado a escritora afirmou que “fui muito ingénua ao pensar que a Polónia era capaz de debater as zonas escuras da nossa história”. Daí que ao regressar à Polónia após ter recebido o prémio literário Man Booker, ao regressar a casa, tenha tido vários guarda-costas a tomar conta de si. Tokarczuk é considerada uma das mais destacadas escritoras do seu país e é rotulada de “feminista vegetariana” que se insurge contra “um país reacionário e patriarcal”.

O registo literário de Tokarczuk não é fácil, mas a sua Polónia está sempre muito presente, misturando o passado com o presente numa tentativa de reinterpretar ambos. Em Viagens, o seu sexto romance, a autora reúne vários géneros – história, ficção, memórias, ensaio, entre outros -, definindo o livro como “um romance-constelação”. Tão difícil à primeira tentativa que a sua editora polaca a chamou após a entrega do original para confirmar se não teria trocado os arquivos por considerar que não era um romance.

Nascida em Sulechów em 1962, é formada em Psicologia. Publicou o primeiro livro em 1989, uma coletânea de poesia. Tem cerca de duas dezenas de títulos publicados, traduzidos em 30 línguas e é uma autora premiada.

 

Academia em fase de recuperação

Os novos vencedores entram na galeria do Nobel da Literatura após um escândalo de assédio sexual e de corrupção que abalou a Academia Sueca em 2017 e fez que o anúncio da edição de 2018 tivesse sido anulado por não estarem reunidas as condições no júri e também devido à sua descredibilização.

Kazuo Ishiguro foi o último autor a ser galardoado em outubro de 2017, momento após o qual Jean-Claude Arnault, marido da poeta Katarina Frostenson, membro do júri, foi acusado – e entretanto preso – de revelar os nomes de alguns vencedores e de ter assediado 18 mulheres, entre as quais a própria responsável pelo comité do Nobel da Literatura, Sara Danius.

2018 foi um dos piores anos para a Academia Sueca, fundada há mais de dois séculos, envolvendo a instituição num escândalo que interrompeu a concessão do prémio como poucas vezes tinha acontecido nos 118 anos de existência do Nobel da Literatura, designadamente durante as guerras mundiais.

A credibilidade da Academia Sueca foi a principal preocupação do rei Gustavo, patrono da instituição, e o novo responsável pelo comité de Literatura, Anders Olsson, garantiu que esta categoria surgiria neste ano de forma mais aberta às escritoras e à geografia das literaturas contrariando, respetivamente, a quantidade de prémios concedidos a escritores homens e muito centrada na Europa. Afinal, entre os 110 premiados, só 14 eram do sexo feminino.

As habituais apostas feitas sobre o vencedor do Nobel colocavam hoje de manhã cinco escritoras como favoritas.

 

Curiosidades do Nobel da Literatura

  • Desde 1901 foram galardoados 110 escritores.
  • Quatro edições tiveram o prémio partilhado.
  • Rudyard Kipling foi o mais jovem escritor premiado, aos 41 anos.
  • Doris Lessing foi a mais idosa escritora premiada, aos 88 anos.
  • Até 2017, José Saramago foi o único escritor de língua portuguesa a receber o Nobel da Literatura.

 

Prémios Nobel já anunciados

  • Medicina: William G. Kaelin, Gregg Semenza e Peter Ratcliff.
  • Física: James Peebles, Michel Mayor e Didier Queloz.
  • Química: John B. Goodenough, M. Stanley Whittingham e Akira Yoshino.

 

Fonte: https://www.dn.pt/edicao-do-dia/11-out-2019/olga-tokarczuk-e-peter-handke-sao-os-novos-premio-nobel-da-literatura-11388347.html