A narrativa é fluída e aberta, deixando alguns pontos do argumento por esclarecer, quem sabe para outros assados, em próximo álbum.
O protagonista desta história, Pitanga, “barbeiro de luxo ao domicílio” e motard aficionado, com o seu inconfundível cachecol branco às bolinhas pretas e t-shirt de riscas à Pat Metheny, tem laivos de anti-herói e um humor ligeiramente ácido. Pela pinta e pela pose, entra bem na categoria das personagens carismáticas da BD europeia, de Blueberry a Corto Maltese. Em bolandas em Tânger, e coagido por uma rede de traficantes a pilotar um desses pneumáticos a motor que costumamos ver sobrelotados nos telejornais, faz a travessia do Mediterrâneo com umas quantas dezenas de foragidos da África Subsaariana, muitos deles harragas, ou indocumentados – gente que queimou a identificação do país de origem, para que não se possa determinar se são refugiados de um estado em guerra ou meros migrantes económicos. São passageiros do desespero que não se limitam à parte negra do continente africano, mas também jovens magrebinos que fogem das suas aldeias, de um horizonte sem perspectivas de vida. Com Pitanga segue uma amizade recente, Mané, um simpático guineense com todo um passado de envolvimento na complicada e perigosa política da Guiné-Bissau – o tal colega de Sevilha…
Trata-se de uma eficaz BD de formato clássico e muito bem documentada. A narrativa é fluída e aberta, deixando alguns pontos do argumento por esclarecer, quem sabe para outros assados, em próximo álbum. A organização das pranchas, oscilando entre oito e 14 vinhetas, não prejudica a fluência narrativa, para a qual contribui a desenvoltura do traço de Fagundes. Este é também o primeiro álbum a cores de Pitanga, com um óptimo trabalho de José Pedro Costa, tanto na garridice das claridades do sul, como no breu nevoento da travessia, páginas, aliás, de antologia no âmbito dos quadradinhos nacionais.
Fonte: https://ionline.sapo.pt/artigo/669174/leitor-de-bd-a-grande-travessia?seccao=Mais